TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.156 - Disponibilização: segunda-feira, 15 de agosto de 2022
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A primeira testemunha de acusação afirma ter visto o par de sandálias, a vítima, por outro lado, afirma tê-lo repassado aos policiais
e a segunda testemunha de acusação nem mesmo viu o objeto. Enfatiza-se que as duas testemunhas de acusação, ambos policiais
militares, estavam juntos no momento da diligência e somente encontraram o acusado após o apontamento da vítima.
Ocorre que, não há qualquer auto de apreensão das supostas sandálias que ligariam o acusado ao local do crime. O suposto elemento
de prova jamais foi levando à juízo, apresentado em delegacia ou periciado. Isso remonta à fragilidade dos elementos processuais
colhidos que não corroboram o depoimento da vítima.
É certo que o único ponto que resta e é sustentado pela acusação é justamente a prova testemunhal, que se baseia nos depoimentos
da vítima e dos policiais militares. No entanto, como não há convergência entre os relatos e não existe elemento exógeno que explique
as narrativas, não há embasamento para uma condenação. Outra questão a ser apontada é justamente a nulidade do reconhecimento
pessoal do acusado, que não pode servir de prova processual, uma vez que colhido sem a observância do devido processo legal
Nesse caso, deveria constar no bojo do inquérito policial informações adicionais que contextualizassem o fato imputado pela acusação,
como, por exemplo, depoimento de outras pessoas que presenciaram o acusado e a vítima em determinado local ou se deslocando.
De mais a mais, é ônus do Ministério Público a formação das provas que irão sustentar a possível condenação.
Vejamos como a jurisprudência assiste à atribuição acusatória do Ministério Público frente à condenação:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO. FRAGILIDADE DA PROVA QUE CONDUZ À ABSOLVIÇÃO. A condenação criminal só é admissível quando, durante a instrução criminal, venham a se evidenciar elementos que
façam certa a imputação, não cabendo no processo penal ao acusado o ônus de provar sua inocência, que é sempre presumida. Tal
tarefa incumbe à acusação. No caso em epígrafe, ainda que a versão da vítima seja possível, também assim o é a versão do réu,
sobrelevando- se notar que a versão da vítima não se liga a qualquer elemento fático-probatório, razão pela qual a absolvição é impositiva. Absolvição que se dá com fundamento no princípio in dúbio pro reo. RECURSO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70069102770,
Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 18/05/2017)
Sobre a matéria, ensina Norberto Avena: “Portanto, a prova cabe àquele que afirma determinado ato, fato ou circunstância, seja a
acusação ou a defesa, não sendo verdade, então, que somente o autor da ação penal tenha esta incumbência. Tudo dependerá da
natureza da alegação. Neste contexto, à acusação caberá provar a existência do fato imputado e tipicidade, circunstâncias atenuantes,
minorantes e privilegiadoras que tenha alegado. “
No caso, a prova é extremamente frágil para gerar convencimento de que uma condenação é pertinente. A divergência nos depoimentos das testemunhas e vítima e a inoperância policial acerca da elucidação dos fatos não leva a crer que o crime de fato ocorreu e que,
caso tenha ocorrido (o que não está provado nos autos), que a autoria delitiva do acusado é justa.
Friza-se que, não obstante nos crime de natureza sexual, praticados geralmente às escondidas, há possibilidade de produção de prova
testemunhal, tendo o depoimento da vítima especial valor probatório, tendo este que guardar sintonia com as demais provas produzidas nos autos, o que não ocorreu no presente caso .
Doutrinariamente tem-se que podemos atribuir alta qualidade ao Princípio da Presunção de Inocência, que também pode ser chamado
de Princípio da Não Culpabilidade. Diz Renato Brasileiro de Lima, em “Manual de Processo Penal” que do Princípio da Presunção de
Inocência deriva o Princípio do In Dubio Pro Reo, como regra probatória. Diz ainda que (p. 48-49) “por força da regra probatória, a parte
acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência (...)Na dicção de Badaró, cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de
uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presunção
de inocência, impondo a necessidade de certeza”.
De acordo com o art. 155 do Código de Processo Penal “o juiz formará sua convição pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” Podemos concluir que o livre convencimento do juiz expressa sua
liberdade frente à análise de provas produzidas em contraditório judicial, além disso, a íntima convicção do juiz, sem apoio em dados
ou elementos probatórios, é arbitrária e subjetiva.
Assim, no que foi produzido judicialmente no caso que aqui se passa, não existe prova suficiente que faça este juízo prolatar decisão
favorável a uma condenação.
DISPOSITIVO:
Ex positis, acolho a preliminar arguida pela defesa da DEFESA e JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na DENÚNCIA para
ABSOLVER o acusado ANDRÉ SACRAMENTO DE CARVALHO, devidamente qualificado, da imputação da prática do delito previsto
no art. 213 c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal Brasileiro, com fulcro no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal).
Determino, por sua vez, a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas, conforme o parágrafo único do art. 386 do
Código de Processo Penal.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Sem custas.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Dou ao presente ato judicial força de mandado/ofício.
CORRENTINA/BA, 5 de agosto de 2022.
MATHEUS AGENOR ALVES SANTOS
Juiz de Direito Substituto
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE CORRENTINA
INTIMAÇÃO
8000872-16.2021.8.05.0069 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Jurisdição: Correntina
Autoridade: Ministério Público Do Estado Da Bahia
Reu: Andre Sacramento De Carvalho