TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.187 - Disponibilização: quarta-feira, 28 de setembro de 2022
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VISTOS ETC.,
BRENO RAMALHO DE ALCANTARA, já qualificado na inicial, ingressou com uma AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS c/c OBRIGAÇÃO DE FAZER em face da SOCIEDADE DE ENSINO SUPERIOR, MÉDIO E FUNDAMENTAL
LTDA – CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DA BAHIA, igualmente qualificada na exordial, alegando que era aluno da ré,
iniciando o cursando Medicina Veterinária em 2020.1. e que em dezembro/2021, ao finalizar o quarto semestre, foi surpreendido
por um de seus professores com a notícia de que o curso seria descontinuado, indicando a faculdade UNIME, na cidade de Lauro
de Freitas-BA para que ele pudesse continuar o curso. Aduziu que buscou informação diretamente com a coordenação, sendo
confirmado o cancelamento. Alegou que passou a sofrer cobranças da faculdade ré, mesmo estando com todas as mensalidades
quitadas. Requereu assim a condenação da ré no pagamento de indenização por danos materiais e morais.
A ré apresentou contestação, alegando que por insuficiência de alunos, o semestre de 2022.1 não formou turma, vindo o curso a
ser cancelado, o que foi previamente informado aos alunos e que a extinção do curso está dentro do âmbito da sua autonomia,
não tendo praticado ato ilícito. Aduziu ainda que o autor participou do programa DIS (Dissolução Solidária), que dilui as mensalidades do semestres 2020.1 e 2020.2, e com o encerramento do curso, o vencimento deu-se de forma antecipada. Anexou
documentos. Requereu a improcedência da ação. Juntou documento.
Intimado o autor, transcorreu in albis o prazo de réplica.
Em audiência de Instrução e Julgamento, a magistrada dispensou a produção de prova oral, em razão da matéria de direito.
Passo, então, ao julgamento antecipado do mérito, pois não existem provas a serem produzidas.
É O RELATÓRIO.
Contrato Educacional
A parte autora firmou um contrato com a instituição ré, objetivando a contratação de serviços educacionais.
O contrato de prestação de serviços educacionais é aquele onde as partes ajustam sobre o exercício, as condições e o pagamento a ser feito pelo trabalho e tem como objetivo dar segurança jurídica para contratante e contratado.
As partes firmaram o contrato educacional para o curso de Medicina Veterinária a ser feito de forma presencial, mediante contraprestação pecuniária, sendo ali estabelecido direitos e obrigações de ambas as partes, sendo que no final do ano de 2021 o
autor tomou conhecimento sobre a descontinuidade do curso.
Autonomia Faculdade – Prévia Comunicação – Falha na Prestação do Serviço
A nossa Constituição Federal em seu art. 207 prevê a autonomia das faculdades:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
A autonomia didático-científica dá à Universidade o direito de escolher o que será lecionado em suas salas de aula e quais pesquisas serão conduzidas em seus laboratórios sem interferência de quem quer que seja, incluindo União, Estado ou quem quer
que a administre.
Essa autonomia universitária é respeitada de forma concreta, inclusive pelos Tribunais superiores, quando apreciam qualquer
matéria sobre o tema.
A ré afirma que agiu dentro dos limites da sua autonomia quando decidiu pela extinção do curso ofertado ao autor e embasa essa
alegação na legislação específica e jurisprudência do STJ.
Ocorre que, não obstante a autonomia universitária prevista na nossa Carta Magna, certo é que as faculdades, ao decidirem pela
extinção de cursos ofertados aos alunos e que estão ocorrendo, devem obedecer ao que estabelece a Resolução n. 1/1999, do
Conselho Nacional de Educação em seu art. 4º, § 1º:
Art. 4º Os cursos superiores de formação específica serão concebidos e ministrados, nos termos da presente Resolução, por
instituição de ensino que possua um ou mais cursos de graduação reconhecidos.
§ 1º Os cursos referidos no caput deste artigo estão dispensados de obedecer ao ano letivo regular e podem ser encerrados
a qualquer tempo pela instituição que os ministra, a critério desta, desde que assegurada a conclusão dos estudos, no próprio
curso, dos alunos nele matriculados.
A leitura da legislação supra não deixa dúvidas sobre a possibilidade da extinção do curso ofertada pela ré desde que a IES
informe previamente aos seus alunos sobre o encerramento de curso, ofertando ainda alternativas para a continuidade do curso.
No caso dos autos, a ré não apresentou qualquer prova no sentido de ter informado previamente ao autor sobre o encerramento
do curso de Medicina Veterinária, que soube do fato de forma extra oficial por um professor do curso.
A hipótese dos autos é justamente uma das poucas em que os Tribunais deixam de reconhecer a autonomia das universidades
como justificativa para extinguir um curso superior, haja vista que os alunos não foram informados sobre o encerramento, deixando a faculdade ré de agir com transparência e boa-fé.
Vejamos Entendimento do STJ:
RECURSO ESPECIAL E ADESIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ENCERRAMENTO DE CURSO SUPERIOR DE FORMA ABRUPTA. ABUSO DE DIREITO. 1. Possibilidade de extinção de curso superior por instituição educacional, no exercício de sua autonomia universitária, desde que forneça adequada e prévia informação de encerramento do curso (art. 53 da Lei 9394/96 - LDB). 2. Necessidade de oferta de alternativas ao aluno, com iguais condições e valores, de forma a
minimizar os prejuízos advindos com a frustração do aluno em não poder mais cursar a faculdade escolhida. 3. Reconhecimento
pela corte origem de excesso na forma como se deu o encerramento do curso superior, caracterizando a ocorrência de abuso de
direito (artigo 187 do Código Civil de 2002). 4. Caso concreto em que a pretensão recursal esbarra no óbice da Súmula 07/STJ.
5. Precedente em sentido contrário da Quarta Turma em face das peculiaridades do caso lá apreciado. 5. RECURSO ESPECIAL
E ADESIVO DESPROVIDOS. (STJ. REsp n. 1341135/SP, Rel. Ministro PAULO DETARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 14/10/2014, DJe 21/10/2014).
Desse modo, houve excesso do réu no exercício da sua autonomia, tendo em vista que ele promoveu o encerramento do curso,
de forma abrupta, sem a devida comunicação prévia a seus alunos e nem indicação de outras faculdades, onde eles pudessem
terminar o cuso iniciado, caracterizando-se falha da instituição de ensino ré na prestação do serviço, passível de condenação
em indenização.