TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.169 - Disponibilização: quinta-feira, 1º de setembro de 2022
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de agitação psicomotora, irritabilidade, discurso desconexo, eufórico, perda de senso crítico da realidade associado a heteroagressividade e episódios de depressão grave com delírios de ruinas, embotamento afetivo, ideação e tentativas de suicídio e, por isso, não
tem condições de reger sua pessoa e administrar seus bens.
Assim, requereu a interdição, nos termos da legislação pertinente, conforme petição e documentos de ID 11130067.
Audiência para entrevista da interditanda realizada, termo de ID 34527792.
Decisão de ID 34527792 concedendo a curatela provisória.
Laudo pericial, ID 102544770/ 102544774.
Parecer do representante do Ministério Público favorável ao pedido, ID 195064521.
Por fim, vieram-me os autos conclusos. Passo a decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Com a entrada em vigor da Lei nº 13.146, de 16 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), observou-se uma drástica alteração no conceito de incapacidade e, por conseguinte, no instituto
da interdição.
A interdição continua a figurar como um procedimento especial de jurisdição voluntária, em que não há partes, mas interessados, que
buscam resguardar os interesses de pessoa incapaz de reger os atos da vida civil, por meio da decretação de interdição/curatela, nos
termos do art.1.767 e ss do CC/02, alterado pela Lei 13.146/15, e art. 747 e ss do NCPC/15.
A proteção mais efetiva dos direitos da pessoa com deficiência iniciou com a adesão do Brasil à Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, por meio do Decreto n.º 6.949/2009. Tal
convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional,
nos termos do procedimento previsto no art. 5º, §3º da CR/88.
Posteriormente foi promulgada a Lei 13.146/15, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ora denominado
Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, nos termos do seu art. 1º.
O art. 2º da Lei 13.146/15 conceitua a pessoa com deficiência nos seguintes termos:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência objetivou concretizar o aspecto positivo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, exigindo uma ação do Estado e da sociedade capaz de fomentar os direitos existenciais da pessoa com deficiência, permitindo
que a pessoa com algum impedimento possa se autodeterminar, bem como ser protagonista da sua vida.
Com o novo Estatuto buscam-se diferenciar os atos econômicos/negociais da vida cotidiana, dos atos existências, direitos da personalidade.
O art. 4º, prevê que a pessoa com deficiência não pode sofrer qualquer tipo de discriminação. O polêmico art. 6º da Lei 13.146/15
estabelece que:
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento
familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas.
Da análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência depreendem-se os seguintes princípios:
a) Protagonismo do curatelando, ou seja, o processo de curatela deve possibilitar a efetiva participação do curatelando;
b) Busca pelo melhor interesse do interditando (art. 755, §1º do NCPC);
c) Proporcionalidade; limitação dos direitos na curatela deve ser a menor possível, de acordo com as limitações da pessoa;
d) Temporalidade/Reversibilidade: o curador tem a finalidade de fomentar maior autonomia e melhoria da saúde do curatelado, a fim
de permitir o resgate de sua autonomia plena;
e) Acompanhamento periódico: o Estado deve se aparelhar para buscar um acompanhamento periódico na evolução do quadro da
pessoa com deficiência.
Tendo em vista que o pedido não foi impugnado, bem como contra o laudo apresentado não houve insurreição.
Conforme depreende-se dos laudos acostados aos autos, ID nº 11130234/ 102544770/ 102544774, revela que a interditanda é pessoa
portadora de transtorno de desenvolvimento, irreversível, ensejando a necessidade de curadora para a prática dos atos da vida civil.
Não restam dúvidas quanto ao estado de incapacidade da interditanda, que, sendo pessoa com transtorno de desenvolvimento, é
relativamente incapaz de praticar os atos da vida civil.
Os novos contornos adquiridos pela curatela mudaram a perspectiva da proteção dispensada às pessoas relativamente incapazes.
Em vez de protegê-las apenas sob a ótica da vulnerabilidade, o instituto busca resguardar a sua dignidade com base na liberdade e
na inclusão social.
Assim é que recentemente, seguindo nessa linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é mais possível
declarar como absolutamente incapaz o maior de 16 (dezesseis) anos que, em razão de enfermidade permanente, encontra-se inapto
para gerir sua vida e administrar seus bens de modo voluntário e consciente.
Ou seja, o ordenamento jurídico não admite a declaração de incapacidade absoluta às pessoas com enfermidade ou deficiência mental. Vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. CURATELA. IDOSO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA EXERCER PESSOALMENTE OS ATOS DA VIDA CIVIL. PERÍCIA JUDICIAL CONCLUSIVA. DECRETADA A INCAPACIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMA LEGISLATIVA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE ABSOLUTA RESTRITA AOS
MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS, NOS TERMOS DOS ARTS. 3° E 4° DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A questão discutida no presente feito consiste em definir se, à luz das alterações promovidas pela Lei n. 13.146/2015, quanto ao re-